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Caxias Do Sul, Rio Grande do Sul, Brazil
Preparador Físico. Atualmente no Esporte Clube Juventude de Caxias do Sul/RS.

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

O FC Barcelona, o treinador José Mourinho, a Periodização Tática e os treinos analíticos: fatos e reflexões

 

Não podemos construir a base dos nossos argumentos em falsas verdades, pois eles perdem consistência

“Para quem tem como única ferramenta o martelo, todos os problemas são pregos.”
Parafraseando Mark Twain, que é o autor da frase acima, proponho nesta semana uma reflexão sobre alguns fatos que envolvem discussões (e problemas) que têm cercado o momento “metodológico” e “filosófico” do nosso (brasileiro) futebol profissional e de base.

De início, vamos aos fatos.

Fato 1: Quando começou a ganhar destaque no cenário mundial do futebol, conquistando títulos internacionais pela equipe do FC Porto, o treinador José Mourinho deu início também a uma eufórica e desenfreada série de reportagens, matérias, vídeos e livros reverenciando sua ação como treinador e os seus métodos inovadores de trabalho.
Estar ao lado dele, conhecê-lo, ser seu amigo ou mesmo ter sido seu professor em alguma etapa de sua formação acadêmica passou a ser, de alguma forma, vantajoso. Qualquer tipo de associação com a sua imagem fez aumentar o capital simbólico de publicações, pessoas e mais especificamente para a nossa discussão, de metodologias de treino.

Fato 2: Quando o Santos FC foi “atropelado” (me desculpem pelo “atropelado”) pelo FC Barcelona na partida final do Mundial de Clubes da Fifa 2011, emergiu no Brasil uma série de debates propondo nas entrelinhas (e sobre as linhas) que o “modelo” Barcelona de jogar e formar jogadores precisava, por que não, ser seguido pelas equipes brasileiras – sugerindo que os clubes no Brasil estavam (ou estão) atrasados em planejamento, conhecimento, modelos de treino, nível de profissionais, e etc.
Assim como aconteceu no caso do treinador português José Mourinho, passou a ser vantajoso para defender certos pontos de vista, utilizar o FC Barcelona como referência para justificar argumentos em uma ou em outra direção.
Pois bem.
Colocados os fatos, é bom esclarecer que não tenho intuito com esse texto de apontar verdades, mentiras, erros ou acertos, nem tampouco fazer julgamentos exatos sobre qualquer coisa.
O que desejo realmente é provocar reflexões.
Então, vamos lá.
Estive, entre 2010 e 2012, em três momentos distintos (simpósio, fórum e competição – não nesta ordem) com profissionais das categorias de base do FC Barcelona debatendo e trocando informações sobre futebol, processo formativo, meios e métodos de treinamento.
Tive acesso às planilhas do clube, assisti a vídeos de treinos e pude filmar alguns. E para os que dizem o contrário, posso afirmar: são realizados sistematicamente nos treinamentos das categorias de base do clube exercícios analíticos (fragmentados, previsíveis e centrados na técnica).
E que relação tem isso com o “fato 2” mencionado acima?
Muitos de nós, na justa ânsia de romper com paradigmas impregnados no nosso “brasileiro futebol” e expandir as fronteiras do conhecimento – em prol da disseminação de uma ideia de Complexidade – acabamos muitas vezes por associarmos nossas ideias àquilo que seria feito nas categorias de formação do time catalão (naquilo que, nos nossos sonhos, justificaria a avassaladora aula de futebol dada por eles na final do Mundial de Clubes).
Essa associação justificou muitas vezes a não utilização de atividades analíticas de treino. Mas, como, se o FC Barcelona se utiliza desse tipo de atividade em seus treinamentos?
Não estou defendendo os exercícios analíticos. O que estou sugerindo é a análise crítica dos fatos, e acima de tudo da Complexidade.
Não podemos aceitar os argumentos a favor de uma ou outra metodologia de treino, contrária a atividades analíticas, utilizando o FC Barcelona como referência dessa não utilização.
Continuemos.
Da mesma maneira que argumentos são associados ao FC Barcelona para dar valor a certas ideias, muitas e muitas vezes, foi e continua sendo vinculada à forma de trabalhar do treinador português José Mourinho a metodologia portuguesa (concebida pelo professor Vitor Frade) de concepção dos treinamentos chamada “Periodização Tática”.
Ainda que tenha grande valor, será mesmo que Mourinho se utiliza da Periodização Tática para planejar e construir seus treinos?
Por muito tempo os portugueses vêm dizendo que sim. E isso tem aumentado cada vez mais o simbolismo da Periodização Tática.
Estive com Rui Faria (adjunto do treinador português) em uma visita ao centro de treinamento do Real Madrid, por ocasião de uma viagem a Espanha, e em uma conversa informal, pude perguntar sobre o seu trabalho com Mourinho e sobre a relação desse trabalho com aquilo que foi “batizado” de Periodização Tática (tema que o próprio Rui debateu em trabalho acadêmico no passado).
Objetivamente, ele apontou para o fato de que não aplicavam a “Periodização Tática” de Vitor Frade, mas sim, uma periodização que também levava em conta a ação tática do jogador dentro do planejamento geral.
Disse que o jogo de José Mourinho é um jogo muito maior do que aquele de dentro do gramado, e que afirmar que eles (Mourinho e sua comissão técnica) trabalhavam e alcançavam sucesso a partir da Periodização Tática seria uma redução demasiada da qualidade e complexidade do trabalho que realizavam.
Não estou criticando a Periodização Tática; especialmente porque ela é um marco na história metodológica do treinamento dentro do futebol – ainda que apresente lacunas em nome da própria Complexidade que defende. O que estou sugerindo mais uma vez é a observação crítica dos fatos.
Não podemos construir a base dos nossos argumentos em falsas verdades (ou no desconhecimento dos fatos reais) – porque assim eles perdem consistência. E não estou aqui dizendo que sou eu o conhecedor dos fatos reais.
Reforço novamente que o que desejo é propor reflexões.
Citando Bruno Pivetti, “sabemos que no futebol existem muitas verdades e mentiras, que há possibilidade de o certo resultar em errado, e de o errado transfigurar-se em correto” (livro “Periodização Tática”, que recomendo).
E será isso obra do acaso, ou resultado da nossa incapacidade de compreender a ordem dentro do Caos?
Por que não avançarmos e tentarmos perceber, de posse de um martelo como única ferramenta, outros problemas, que não sejam somente pregos – dando ao martelo outra utilidade?
Por que não sustentarmos e apoiarmos nossos argumentos na essência das coisas, e que, certos ou errados, não precisemos fazer associações incorretas para aumentar o capital simbólico deles?
Tem um martelo? Então, qual o seu problema?

Prof Rodrigo Leitão

Artigo publicado no site: http://www.universidadedofutebol.com.br/Colunas/2012/08/3,11917,O+FC+BARCELONA++O+TREINADOR+JOSE+MOURINHO++A+PERIODIZACAO+TATICA+E+OS+TREINOS+ANALITICOS+FATOS+E+REF.aspx

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Preparação física e treinamento tático

Preparação física e treinamento tático
Aperfeiçoando o rendimento esportivo
Wladimir Braga
O futebol, como esporte coletivo, durante muitos anos utilizou os conhecimentos do atletismo como ferramenta de aprimoramento do componente físico. A concepção de treinamento deste esporte fragmentou-se em setores distintos como treinamento tático, técnico, físico, psicológico dentre outros. Havia um corpo multidisciplinar, mas não uma relação interdisciplinar.

Ainda hoje, existe esta forma de pensamento (por alguns profissionais) em que cada área faz a sua parte para o rendimento atlético aparecer. Os modelos propostos de periodização, também, não se aplicam à estrutura permanente do calendário de jogos. Enfim, o componente tático, com isso, fica prejudicado justamente por investir muito tempo com atividades sem fundamento prático e sem eficácia para a performance total de uma equipe.

José Mourinho, em "Por que Tantas Vitórias", colocou em xeque este conceito de trabalho acabando com o chamado "pico de rendimento", segundo ele inexistente no futebol. No livro Fisiologia do Esporte e Exercício, dos autores Wilmore e Costill, consta que "as adaptações fisiológicas em resposta ao treinamento físico são altamente específicas à natureza da atividade do treinamento, além disso, quanto mais específico for o programa de treinamento em determinado esporte ou atividade, maior a melhora do desempenho nesse esporte ou atividade".

Neste sentido, estas considerações sugerem que o perfil dos profissionais que atuam na função de técnico e preparador físico seja revisto. O rendimento tático deve ser visto como a síntese de todo o trabalho, deste modo, cada membro da comissão passa a atuar num mesmo contexto permitindo maior eficácia no trabalho.

Para deixar as coisas mais claras, devemos questionar qual a real função de cada método utilizado para o aprimoramento das capacidades físicas, qual a utilidade de separarmos o físico do tático sendo que o rendimento pretendido é no jogo. E ainda, devemos questionar se no futebol existe período preparatório com esse calendário de jogos. Para responder cada uma destas perguntas não é preciso de uma avaliação física, mas sim de uma avaliação profissional e ainda pessoal.

Será que o preparador é o único responsável pela performance física ou será que a eficiência tática determina este rendimento?!

Com isso os chamados treinos funcionais tornam não instrumentos principais e sim auxiliares para o desempenho, o treinamento tático, então, passa a orientar a carga de treinamento. O preparador físico, neste nível, se identifica como um pedagogo ou um motricista do esporte ajudando na estrutura tática global, trabalhando sobre a execução de funções e manobras mais específicas ou individuais sem (importante esclarecer) esquecer os conceitos e as capacidades envolvidas em cada exercício controlando volume e intensidade de treino.

Este conceito de treino sugeriu ser um equívoco separar o treino tático do físico, mas de forma alguma aboliu os treinos funcionais, que sem dúvida podem fazer parte do programa de treino (principalmente o treino de força que será abordado posteriormente). Na verdade, esta proposta defende que é melhor executar exercícios em forma de jogo do que corridas contínuas ou intervaladas para a aquisição de resistência, por exemplo. A avaliação, portanto, é mais qualitativa do que quantitativa, pois é a assimilação do modelo de jogo proposto que interessa e a adaptação física, vai ocorrer especificamente à atividade realizada dentro da estrutura tática proposta pela comissão técnica.

O desafio passa a ser como organizar toda a estrutura de treinamento planejando as etapas a serem seguidas pela comissão considerando todos os itens referentes ao rendimento da equipe. Se considerarmos, por exemplo, três aspectos físicos: resistência, força e velocidade, e todos os objetivos táticos a serem alcançados como podemos organizar os conteúdos de trabalho?

Destina-se a cada comissão técnica estabelecer suas metas e caminho para atingi-las. O mais importante nesta jornada é nunca perder de foco o modelo de jogo e assim organizar cada treinamento de acordo como ele. Não esquecer, assim, que cada parte forma um modelo único.

Não existe, portanto, uma receita única para a obtenção do sucesso, pois a cada momento novas informações surgem para contribuir com esta modalidade, mas o questionamento das ações acaba sendo um comportamento exigido para a obtenção da excelência do desporto competitivo. O amadurecimento a cada ano de trabalho é o maior prêmio para que segue esta atitude.

Com isso, é de extrema importância que os modelos de treinamento sejam alvo de mais discussão e que uma abordagem partindo de uma perspectiva mais ampla se torne um novo caminho para os profissionais de hoje.
 
Bibliografia
MOURINHO, José. Por que tantas vitórias? Oliveira, Amieiro, Resende, Barreto-Gradiva, 2006
Wilmore & Costill. Fisiologia do esporte e do exercício. Editora Manole, 2001
 
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